Um estudo de astronomia e de produção audiovisual bilíngue

O projeto começou pequenininho, mas foi envolvendo estudantes, professores e técnicos, surdos e ouvintes, e as dificuldades foram se transformando em novas ideias para pesquisas. O objetivo inicial era desenvolver um material didático para o ensino de astronomia de forma a facilitar a aprendizagem dos surdos sobre a estrutura e funcionamento do Sistema Solar e a partir dos estudos feitos foi definido que a melhor estratégia seria a produção de uma videoaula.

O desenvolvimento do projeto promoveu aprendizagem sobre trabalho em equipe, língua de sinais, ilustração, animação, identidade visual, elaboração de roteiros, filmagem, edição e educação bilíngue, além de estimular o aprofundamento dos estudos sobre os astros.

Para a realização do trabalho foram desenvolvidas as seguintes etapas:

− Estudos bibliográficos, apresentações e discussões sobre o sistema solar.

− Análise da acessibilidade dos surdos em diversos materiais audiovisuais.

− Pesquisa e documentação dos sinais em Libras já existentes sobre o tema. A pesquisa foi feita em artigos, dicionários (Libras-Português), vídeos, aplicativos de celular (HandTalk e Prodeaf) e por meio de levantamento com professores e estudantes surdos. Foi observado que existe grande diversidade na sinalização de alguns termos, faltam sinais para outros e os classificadores são muito explorados.

− Elaboração da marca do projeto.

− Desenvolvimento do material didático na modalidade audiovisual.

− Avaliação do material por um grupo de surdos.

A equipe executora se deparou com algumas dificuldades ao longo do processo e a avaliação pelos surdos indicou alguns aspectos que poderiam ser melhorados no material.

A partir daí, outros dois projetos foram desenvolvidos: O projeto Produção de materiais didáticos visuais na Libras, para aprofundar os estudos sobre fluxos e formatos na elaboração de materiais didáticos bilíngues, e um projeto de extensão para promover rodas de conversa sobre astronomia e ciências relacionadas.

Foram feitas pesquisas teóricas, muita experimentação e discussões sobre metodologia. Com isso, foi possível criar uma estrutura mais adequada para a elaboração dos roteiros na produção audiovisual bilíngue, definir um fluxo de trabalho mais eficiente e desenvolver estratégias para melhorar a integração da Libras com outros elementos visuais do vídeo (animações, imagens, etc.).

Veja a seguir alguns comentários sobre os desafios encontrados e algumas soluções que se destacaram no desenvolvimento do trabalho.

1. Como foi feito o trabalho?

O professor, juntamente com a classe, cria um texto, depois analisam e adaptam.  Às vezes existe dificuldade de alguns alunos surdos entenderem o português, então o professor e os alunos pedem ajuda para adaptação do texto, depois gravam e enviam para o aluno surdo poder entender.

2. Quais dificuldades encontraram e quais soluções foram adotadas?

Inicia- se quando o aluno surdo lê o texto e também quando vai gravar. Não fica claro, ele tem dificuldade, esquece e erra a sinalização.

 

Então o professor, junto com os alunos, decidiram fazer uma projeção em Libras antes de filmar. Para fazer a tradução do texto eu treino a língua de sinais, eu leio o texto para lembrar na hora da sinalização. Eu termino a gravação, assisto o vídeo desde o começo, analiso o que falta, gravo novamente e finalizo quando está tudo ótimo.

3.  Qual a sugestão para quem quer trabalhar nessa área?

Por exemplo, os surdos não têm o conhecimento do tema astronomia e mundo. Os vídeos disponíveis são só orais com legendas e o surdo não consegue entende a geografia mais a fundo. Mas nós temos um grupo de surdos que criou a língua de sinais própria para o tema astronomia. Assim, nós surdos entendemos, e no futuro nós faremos prova.

Agora vou contar um pouco sobre como foi o meu trabalho no projeto de extensão sobre astronomia. Bom, o objetivo era estudar e conhecer as estrelas e outros componentes do sistema solar. Mas, a primeira dificuldade encontrada foi que não haviam didáticas próprias para atividades com surdos. Fizemos várias tentativas, pois queríamos de fato instigar os surdos a conhecerem a astronomia. No projeto, trabalhamos em um grupo bilíngue de estudantes, que tinham o objetivo de estimular os surdos a entenderem mais sobre o universo astronômico, por exemplo, conhecer o que eram as estrelas, os planetas, etc. Para isso, em uma dessas ocasiões, o grupo visitou e conheceu o planetário da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) – Campus Florianópolis.

 

Algumas dificuldades encontradas durante o projeto foram, por exemplo, o fato de não haver intérpretes, também tivemos dificuldades em encontrar metodologias e atividades adaptadas para surdos, e claro, a falta de informações adequadas para surdos e voltadas para o tema.

O surdo é muito visual e não existiam conteúdos ajustados, como por exemplo animações sobre o tema. Então, nós surdos, ficávamos confusos, ou até mesmo não conseguíamos entender o português. Então fez muita falta uma explicação mais detalhada, para que os surdos pudessem compreender claramente o conteúdo.

Outra questão importante foi a dificuldade do público de comparecer às rodas de conversa. Alguns não conseguiam chegar a tempo, em razão dos horários dos encontros, então precisávamos conversar e ver se havia a possibilidade de remarcá-los em algumas ocasiões.

Vou começar… A professora Edimara pediu minha ajuda no projeto sobre astronomia pra fazer um vídeo, junto com meus colegas surdos, explicando sobre astronomia. Na projeto de tradução sobre astronomia às vezes é difícil de entender o texto, e com o passar do tempo eu acabo esquecendo. Eu olho para o conteúdo e entendo, aí vou fazer em Libras para o vídeo, e quando eu comparo os resultados acho difícil de entender. Também na televisão é difícil ver o intérprete e o vídeo ao mesmo tempo.

 

Na gravação, depois que acaba, eu olho o vídeo, e se tem algo errado eu tenho que refazer, só quando estiver certo e claro de entender eu finalizo.

É muito importantes oferecer materiais para as pessoas surdas em Libras, para todas as idades, porque as pessoas ouvintes ficam conversando oralmente e os surdos ficam sem entender nada, às vezes entendem um pouco, mas nas maiorias das vezes entendem mais claramente a Libras.  

Projeto de identidade visual

A nova etapa iniciou com um ajuste na marca do projeto e com a criação de uma animação para a abertura das videoaulas.

Partindo da Libras e mantendo a ideia de representar o sinal do grupo, foi utilizado o desenho das mãos para formar o observatório. A cor azul foi escolhida para a marca porque é a cor de referência do movimento surdo.

Cenário

Foram realizadas diversas experimentações e análises da apresentação visual da videoaula com o objetivo de minimizar a concorrência visual dos objetos com a sinalização.

Tivemos inúmeras reuniões, várias discussões que nos ajudaram a definir o melhor para nosso projeto. Discutimos sobre o cenário que até então era com quadros, e optamos por colocar uma arte feita por nós. Depois de muitos ajustes, desenhos e reuniões, chegamos ao melhor cenário, que se encaixava com nossas ideias e planos. Discutimos também a necessidade de haver uma cor de camisa, para que tivesse contraste das mãos; vimos e revimos algumas cenas, para melhorar as falas no vídeo (contamos com a incrível ajuda do Rafael, que consegue olhar os mínimos detalhes, e se esforça para que tudo fique ótimo).

Amanda Karoline de Farias Borba

Ilustrações

As ilustrações do cenário foram feitas com giz de forma a dialogar com o texto em Libras e não competir com a sinalização, já que são dois tipos de informações visuais.

Para cada ilustração e animação, foi criado um painel semântico buscando referências na literatura e no cinema.

Roteiro

O roteiro foi construído tendo a Libras como primeira língua (L1) e o português como segunda (L2). Isso foi possível graças a presença marcante dos surdos no desenvolvimento do trabalho.

 

Filmagem

Foram feitos vários vídeos de teste para treinar, definir a glosa e a posição das câmeras. Por fim, a captura de imagem foi realizada com 3 câmeras filmando simultaneamente. Foram utilizados também um monitor exibindo o roteiro em Libras e um mecanismo de retorno de imagem no qual os surdos podiam aprovar ou reprovar a sinalização realizada.

Fluxo de produção

O fluxo de produção foi aprimorado, trazendo maior maturidade ao grupo. A divisão de tarefas trouxe maior visibilidade da importância do grupo atuar de forma harmônica e colaborativa, bem como da necessidade de cumprir os acordos estabelecidos. A integração entre surdos e ouvintes fluiu muito bem, tanto que o grupo discente ampliou suas ações propondo um projeto de extensão para promover rodas de conversa sobre astronomia.

Roberto Vargas

 

Edição

Deixar a edição nas mãos de um surdo que acompanhou os ensaios e participou das gravações nos gerou muitos benefícios, já que ele não só é fluente na língua como também entende como a captura de imagem foi feita e ordenada.

João Pedro de Abreu

O projeto Rodas de conversa sobre astronomia e ciências relacionadas foi aprovado em edital de protagonismo discente e está em execução.

O trabalho foi desenvolvido com financiamento do edital nº 20/2017PROPPI/DAE e do edital n° 34/2017/PROPPI/DAE. Participaram do trabalho os professores Silvana Fernandes, Edimara Lúcia Rupolo e Roberto Dutra Vargas, os técnicos Diego Urrutia,  Marcelo Freitas e Emiliana Kirchner Steimbach e os estudantes Miriã Madruga Juanol, Ana Luíza Nunes Martins Chernhak, Letícia Hax Goedert, Joyce Gabrielle Aparecida de Assis Moreira, Amanda Karoline de Farias Borba, Luiz Fernando Pereira Souza, João Pedro de Abreu, Rafael Guilherme Gonçalves, João Aníbal Pires, Gustavo Callegaro Copello e Luan Vinicius Xavier de Souza.

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