Os meios de comunicação possuem grande alcance junto ao público e exercem influência sobre o comportamento da sociedade, sendo fundamental diversificar as representações e relações de poder nas produções audiovisuais.
Recursos e instrumentos devem ser disponibilizados para que as minorias também sejam autores e sujeitos no processo de disseminação de conhecimentos e ideias. Com isso em foco, Oscar Raimundo dos Santos Júnior desenvolveu sua pesquisa de mestrado que resultou em uma proposta de ensino e modelo para a elaboração de roteiros cinematográficos que contemplam as especificidades da cultura surda e sua visualidade.
Conforme Oscar, o audiovisual é uma ferramenta poderosa na construção de representações e propagação de ideias. Mas são histórias contadas pela visão de seus realizadores e, assim, acabam por legitimar conceitos e também preconceitos. No que se refere aos sujeitos Surdos, por exemplo, diversos filmes os retratam como imperfeitos, doentes ou mentalmente limitados. Por isso é tão importante que essas minorias não sejam apenas consumidores de conteúdos, mas também estejam aptas a avaliarem criticamente o que veem e a produzirem conteúdos significativos, que expressem seus modos de perceber e de viver.
Como falantes de uma língua que utiliza o canal visual para comunicação e interação com o mundo, os materiais em vídeo são uma boa forma de registro e divulgação de cultura e conhecimento. É preponderante que a construção de artefatos embebidos de aspectos da cultura Surda possa ser realizada pelos próprios sujeitos Surdos.
Oscar dos Santos
Para isso, a posse dos conhecimentos teóricos, técnicos e tecnológicos é estratégica. A apropriação das ferramentas de produção audiovisual possibilita que os Surdos utilizem esse espaço como uma forma de resistência, de empoderamento, de autonomia e de disseminação da sua cultura. Em seu estudo de mestrado, Oscar identificou que os métodos geralmente propostos para o planejamento e organização da produção cinematográfica não são adequados para os Surdos que têm a Língua Brasileira de Sinais (Libras) como primeira língua. O autor do estudo se propôs a refletir sobre o processo de elaboração de um roteiro cinematográfico buscando identificar formas de aprendizagem e métodos de trabalho que contemplem a forma de organização visual do público surdo.
A pesquisa teve como objetivo avaliar características e estratégias da visualidade e da cultura Surda que colaboram para a compreensão da temática de roteiros cinematográficos.
Em um primeiro momento, a pesquisa fez um estudo bibliográfico sobre sujeitos Surdos, sua cultura e educação, acessibilidade, visualidade e letramento visual, tradução e interpretação da língua de sinais, bem como sobre audiovisual – representatividade e apropriação por sujeitos surdos. A partir daí, foi utilizada uma técnica de levantamento de dados junto a um grupo de professores Surdos e intérpretes de Libras, investigando a adequação de diferentes formatos de roteiro.
Por fim, foi elaborado um modelo detalhado de roteiro cinematográfico e uma proposta de sequência didática para a aprendizagem do processo de elaboração de um roteiro.
Antes de iniciar o processo de gravação, o principal elemento usado para auxiliar tanto o processo criativo como a organização da produção é o roteiro.
No roteiro, são detalhadas as localizações, ações e diálogos e existe um formato, com regras específicas, utilizado mundialmente. O roteiro visa contribuir tanto na parte criativa como no entendimento dos aspectos técnicos, além de facilitar a visualização, organização e alterações do projeto.
O formato convencional de elaboração de roteiros cinematográficos, que é exclusivamente escrito, dificulta o trabalho dos Surdos.
Os estudos feitos confirmam a dificuldade enfrentada pelos Surdos para a elaboração e utilização de um roteiro no formato tradicional, por ser centrado na língua escrita e pela falta de visualidade dos elementos do roteiro. Se o roteiro visa a produção de um material que será gravado em língua de sinais, a dificuldade também se dá porque a língua escrita não consegue exprimir a complexidade existente em uma língua de sinais. Este formato de roteiro não atende às questões de acessibilidade comunicacional e gera a necessidade de intermediação de intérpretes da língua de sinais para a compreensão do texto roteirizado.
Para o trabalho de criação de histórias e elaboração de roteiros, que contem com a participação de Surdos, é muito importante o uso de vídeos na língua de sinais. Além disso, explorar desenhos, fotos, ícones e recursos gráficos que indiquem as diferentes funções dos elementos do roteiro pode ser útil.
O formato proposto deve servir como uma ferramenta, dividida em partes menores para facilitar as alterações na história sem que seja preciso regravar o vídeo inteiro. Isso também facilita reordenar partes da história.
O modelo de roteiro cinematográfico proposto por Oscar é composto de3 partes:
– RESUMO: a história contada de forma breve;
– PERSONAGENS: definição dos nomes, sinais em língua de sinais edetalhes de cada personagem;
– CENAS: descrição detalhada de cada cena.
O RESUMO é feito em Português escrito e na versão em vídeo na língua de sinais.
Na página PERSONAGENS é utilizado um ícone de pessoa, junto ao título em Português, para facilitar o reconhecimento do significado pelos estudantes.
Os personagens recebem um sinal que é representado de forma visual, utilizando desenhos, ícones ou fotos. Para cada personagem é feita uma descrição escrita utilizando uma cor diferente. A descrição também é apresentada em língua de sinais.
O roteiro é dividido em cenas. Cada cena é numerada e, no cabeçalho da página, são usadas imagens e texto escrito indicando o local onde essa parte do roteiro ocorre.
Depois são descritas as ações. À esquerda aparecem os nomes das personagens que estão fazendo algo, falando ou sinalizando. Cada nome aparece na cor escolhida anteriormente. Ao lado dos nomes estão as informações do que acontece na cena e à direita temos o vídeo em língua de sinais
sinalizando este trecho do roteiro.
Também foram definidos alguns marcadores que auxiliam no reconhecimento visual das informações:
– são usados emojis para indicar o sentimento que a personagem está sentindo;
– As ações estão escritas na cor preta;
– O que será falado ou sinalizado está escrito na mesma cor da personagem e é utilizado o travessão (sinal de pontuação que indica uma fala em um texto narrativo).
Também podem ser usadas imagens para apresentar o que compõe a cena de forma mais objetiva.
Adicionalmente, foi desenvolvida uma proposta de percurso didático em que vão sendo construídas as bases de conhecimentos para o entendimento das características de um filme de como criar e roteirizar uma história.
A proposta pode ser vista na dissertação:
O conteúdo contido neste produto educacional não é um modelo fechado a ser seguido. Apresentamos uma proposta que busca ser diversificada e necessita ser adequada à realidade local, aos recursos tecnológicos disponíveis e adaptada ao contexto do grupo de estudantes que for interagir para criação de um roteiro cinematográfico.
Oscar dos Santos