O vazio é um elemento muito importante no design e é abordado principalmente nos estudos sobre composição, tipografia, no design de interfaces, e no design editorial.
Qualquer elemento gráfico, seja um texto ou uma forma, ocupa um espaço e ao seu redor se cria um vazio, também chamado de espaço negativo ou espaço em branco, mesmo que seja colorido. Esse espaço negativo pode ser pequeno, como espaços entre letras, palavras e linhas; ou maiores, como margens e espaços entre os elementos do layout.
Uma composição bem elaborada cuida para que o espaço vazio seja organizado. Mesmo que o observador não perceba e foque o olhar nos objetos e formas destacadas, o vazio transmite uma sensação de ordem e capricho, enquanto sua ausência pode transmitir a sensação de bagunça e desleixo.
O espaço vazio é útil para conduzir o olhar do observador, organizar informações, separar ou aproximar elementos deixando clara a estrutura da informação. É útil, também, para destacar e valorizar elementos, para favorecer a legibilidade e para transmitir uma ideia de cuidado, esmero e sofisticação.
Além disso, o vazio também pode ser usado de forma significativa, para provocar emoções e transmitir determinadas mensagens.
No pôster alemão um concurso de design de carros, falta justamente o carro . A atenção para o anúncio da Apple sobre seus recursos para garantir a privacidade dos dados é promovida pelo enorme espaço vazio que também insinua a falta de transparência, a escuridão no uso de dados do usuário.
O vazio na marca do Whisky Johnnie Walker deixa espaço para a nossa mente preencher. O pôster do filme Shine transmite a ideia de liberdade, mas se não houvesse o espaço vazio, a sensação poderia ser muito diferente, talvez de desespero ou claustrofobia. Já o anúncio dos fones da JBL revela o prazer de usá-los, por meio do único vazio na imagem.
Observando que são mais raros os estudos de design que analisam essa força significativa do vazio, Júlia Lopes Leandro dedicou seu trabalho de conclusão do curso de Tecnologia em Produção multimídia para compreender melhor como alguns profissionais atentos exploram o vazio de forma intencional para gerar sentidos e reações psicológicas.
O trabalho intitulado O Vazio intencional aplicado à produção multimídia teve como objetivo analisar a importância do vazio na produção multimídia em um contexto de excesso de informações e estímulos visuais. O trabalho foi aceito para apresentação oral e publicação nos anais de evento científico internacional.
O estudo destaca vários aspectos relacionados à poluição visual e ao excesso de informações da sociedade contemporânea. Nas cidades é possível observar um exagero do uso das mídias ofuscando o paisagismo, o que é apontado como uma violação estética.
Nas mídias digitais, o overpost é um termo usado para abordar o exagero de informações postadas diariamente na luta pela atenção dos usuários. Movimentos artísticos e culturais como o Maximalismo exploram a exuberância e a estética do exagero fazendo um contraponto ao minimalismo, ao funcionalismo e a uma forma de vida que valoriza a simplicidade.
Outro termo destacado no trabalho é a Infoxicação. A palavra, que significa intoxicação de informações, foi criada pelo autor Alfons Cornella em um livro que faz uma reflexão sobre a dificuldade que temos para digerir o excesso de referências. Por mais estranho que pareça, a sociedade da informação tem sido apontada como superficial. O exagero faz com que as pessoas tenham maior dificuldade para aprofundar conhecimentos e selecionar conteúdos relevantes e verdadeiros.
Partindo da identificação desse problema, Júlia buscou compreender melhor como alguns profissionais atentos evitam o excesso de maneira criativa, explorando o que realmente pode se destacar no meio de tanta poluição visual: o vazio. Para tanto, utilizou como referência um conceito muito importante para os japoneses, mas de difícil compreensão para a cultura ocidental: o Ma.
Ma é um conceito filosófico que representa o vazio, mas um vazio cheio de possibilidades. É um intervalo de tempo ou de espaço.
Esse caráter da possibilidade, potencialidade e ambivalência presente no Ma cria uma estética peculiar que implica a valorização, por exemplo, do espaço branco não desenhado no papel, do tempo de não ação de uma dança, do silêncio do tempo musical, bem como dos espaços que se situam na intermediação do interno e externo, do público e do privado, do divino e do profano ou dos tempos que habitam o passado e o presente, a vida e a morte.
(Okano, 2014, p. 151)
O Ma é fundamental para os japoneses e é considerado mesmo a base das criações artísticas tanto nas artes visuais, como na música e no teatro.
Veja no exemplo da obra de arte japonesa como o espaço estabelece a relação entre o deus do vento e o deus do trovão:
Também podemos observar o uso intencional do Ma nos mangás, quadrinhos e animes. O vazio serve como sinal de silêncio, suspensão ou intervalo na narrativa. O Ma pode ser percebido no espaço não preenchido por objetos ou cenários, quando isso é significativo. Esse espaço negativo se torna uma ferramenta para revelar a profundidade psicológica dos personagens, estimulando a imaginação e promovendo a conexão emocional com o leitor.
No exemplo criado por Júlia Lopes, conforme o enquadramento se torna mais próximo, menos elementos são vistos, mas a conexão com a personagem e a percepção de sua aflição são aprofundadas.
Conforma Júlia, o Ma pode ser pensado como um espaço para a clareza. Destaca, também, a ideia de mediação presente no seu significado. Por isso, seu símbolo é o desenho de duas portinholas por onde o sol penetra, conforme representado por Okano (2007).
O conceito revela a ideia característica do pensamento japonês que relaciona tempo e espaço, criando um instante de respiração e contemplação e promovendo uma sensação de incompletude.
A noção de Ma é muito antiga e remonta ao espaço vazio demarcado para a aparição divina.
As áreas vazias influenciam a reação psicológica do observador. Quando uma forma ocupa um espaço também cria uma zona de influência que o autor Hsuan-na (2018) analogamente compara ao território no instinto animal. Esse vazio ao redor do objeto ou entre objetos é considerado como o espaço psicológico.
Realmente, para o designer, instaurar o vazio pode ser um recurso importante e potente frente ao excesso e à poluição visual em que vivemos.
Em meio ao caos informacional, o conceito japonês Ma aparece como um refúgio para a clareza, caracterizando-se por representar os espaços negativos ou intervalares. Observa-se que esse conceito aparece como uma capacidade de criar senso de equilíbrio e até mesmo contemplação.
(Leandro, 2023, p. 14)
Por fim, o trabalho nos convida a apreciar o vazio/silêncio como algo pleno de possibilidades. Em uma composição visual, o vazio é útil para atrair a atenção e organizar informações, mas também pode ser muito significativo e ser planejado de forma intencional para provocar sensações e reações. O intervalo de tempo também é potente e um silêncio pode dizer muito. Preste atenção ao Ma!
Referências
HSUAN-AN, Tai. Design: Conceitos e Métodos. [Digite o Local da Editora]: Editora Blucher, 2017. E-book. ISBN 9788521210115. Disponível em: https://app.minhabiblioteca.com.br/#/books/9788521210115/. Acesso em: 15 out. 2023.
CORNELLA, A. Infoxicación: buscando un ordenen la información. 2 ed. Barcelona, Zero Factory S.L, 2010.
OKANO, M. Ma: Entre-Espaço da Arte e Comunicação no Japão. São Paulo: Repositório PUCSP, 2007. Tese (Doutorado em Comunicação) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2007. Disponível em: https://sapientia.pucsp.br/handle/handle/4968
OKANO, M. Ma: A estética do “entre”. São Paulo: Revista USP, N. 100, p.150-164, 2014.悪い
LEANDRO, Júlia Lopes. O vazio intencional na sociedade do excesso de informação. TCC defendido no Curso de Tecnólogo em Produção Multimídia – Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC) – Campus Palhoça Bilingue. 22 Jul 2023.