I      N      T      E      L      I      G     Ê      N      C      I      A               A      R      T      I      F      I      C      I      A      L

A grande novidade na área tecnológica é o uso da Inteligência Artificial (IA). A novidade não é tão nova, mas a disponibilização pública de recursos como o ChatGPT, o Midjourney e o Adobe Sensei colocou a discussão sobre as transformações que a IA promoverá no centro das atenções.
O uso da IA possibilita coisas como dirigir carros autônomos, fazer reconhecimento facial, identificar falhas em produtos, fazer traduções automáticas, identificar tendências de mercado, fazer recomendações de músicas, filmes e produtos, por exemplo.
Na produção multimídia, a IA tem muitas aplicações e essa ampla adoção da tecnologia impacta a prática profissional. A IA oferece ferramentas poderosas para simplificar tarefas, automatizar processos repetitivos, analisar a experiência do cliente, propor personalização e mesmo produzir composições gráficas, imagens, ilustrações, vídeos, textos e músicas, a partir de simples comandos textuais, prometendo aumentar a eficiência e diminuir os custos, ao mesmo tempo que ameaça substituir os profissionais da área de design. Mas será mesmo?

Alguns dados são reveladores:
• A pesquisa IA Business da Forbes, de abril/2023, prevê uma taxa de crescimento anual da IA de 37,3% entre 2023 e 2030.
• A pesquisa IA Business da Forbes mostrou também que 35% das empresas analisadas já usam a IA internamente para a produção de conteúdo.
• Levantamento realizado pelo site Will robots take my job, com 3.292 designers, mostra que 50% dos entrevistados acreditam que terão seus trabalhos roubados pela tecnologia.
• Artigo de Carl Frey e Michel Osborne (2013) previu que, nos próximos 10 a 20 anos, 47% dos atuais empregos dos Estados Unidos desaparecerão.

Projeto de identidade visual Queijadinha Paulista. DENISE DEMICIANO DA SILVA

As implicações disso vêm sendo muito discutidas e a preocupação com as mudanças também chamou a atenção dos estudantes do câmpus. No final de 2023, foram apresentados dois trabalhos de conclusão do curso de Tecnologia em Produção Multimídia sobre o tema:


Design gráfico do futuro: desafios e cenários possíveis diante da inteligência artificial, de Gabrielly Viegas de Freitas, com orientação da professora Laíse Miolo de Moraes.


A influência da inteligência artificial na produção multimídia, de Vitor Teixeira Gorski Severo com orientação do prof. Carlos Alberto da Silva Mello.

O trabalho de Gabrielly procurou entender como a IA afeta o trabalho de design gráfico, refletir sobre as novas possibilidades e identificar estratégias para que os profissionais possam se preparar para as mudanças mantendo-se competitivos e atuantes.
Para tanto, além de um estudo bibliográfico sobre o tema, fez uma entrevista semiestruturada com duas designers e um questionário com seis profissionais de uma mesma empresa da área.

Nas entrevistas foi possível observar uma divisão de opiniões. Se, por um lado, uma das entrevistadas tem expectativas positivas, a outra mostrou preocupação com o futuro da atividade.
A primeira entrevistada indicou que a experiência com a IA generativa não funcionou tão bem na empresa onde atua porque ofereceu resultados com imagens muito genéricas e aleatórias e que, para garantir a qualidade do trabalho, precisam elaborar materiais pensados de forma estratégica, produzir fotos reais e investir na criatividade. Ela acredita que o designer fará uso das ferramentas, de forma profissional, para agilizar tarefas maçantes, deixando mais tempo para as atividades criativas.
A entrevistada considera que a originalidade e a forma de trabalho desenvolvida de maneira integrada ao público final são capacidades humanas que não serão substituídas pelos robôs, que continuarão sendo úteis como auxiliares. Mesmo que a IA desenvolva de forma autônoma atividades importantes, precisará do designer para o controle de qualidade e para calibrar as ferramentas. Ela imagina um cenário em que a originalidade e os processos manuais possam ser mais valorizados, já que o uso repetitivo da IA e o tipo de resultado oferecido podem gerar cansaço. Como exemplo, sugere que uma foto assinada por um artista real poderia gerar maior conexão com o observador. O esforço por aproximar o público da mensagem, a transparência, a personificação e a honestidade da marca podem ganhar ainda mais relevância e o marketing pode precisar cada vez mais do design feito por humanos para buscar formas estratégicas de diferenciação.
Menos otimista, a segunda entrevistada mostrou preocupação justamente na produção de imagens por IA, já que o processo de produção de Wall Art e quadros que sua equipe desenvolve segue um processo que ela acredita, eventualmente, que possa ser automatizado. O cliente pede algo específico, são feitas buscas de referências e a, partir daí, é produzido um material autoral. No entanto, também imagina que, em seu processo, a IA seria mais usada nas etapas de exploração e não na solução final das proposições do briefing.

Se por um lado uma das entrevistadas acredita que a IA poderá fomentar a criatividade e promover a atuação profissional original, a outra entrevista se mostrou ameaçada, imaginando que os profissionais terão que se reinventar constantemente para não perder espaço para a automação, e para o trabalho de não designers. Isso está de acordo com a pesquisa do site Will robots take my job, que mostrou 50% dos profissionais preocupados e pessimistas.

No questionário respondido por seis designers plenos da agência criativa da Henry Schein Brasil, as opiniões foram mais otimistas, acreditando na capacidade de adaptação da profissão às mudanças na tecnologia. Enquanto quatro se mostraram entusiasmados com as novas possibilidades de agilizar os processos, apenas dois mostraram um pouco de receio.
Esses profissionais já usam a IA em seus processos, em especial o ChatGPT para comunicação entre o grupo, para elaborar argumentos em campanhas, entre outros. Destacaram também ferramentas da Adobe Sensei para substituir ou recompor partes de imagens com comandos de texto. No entanto, atualmente, a ferramenta só é usada na criação de esboços por questões de direitos autorais.
Os resultados mostram que os designers veem a IA como uma ferramenta que pode otimizar o trabalho, mas exige adaptação, desenvolvimento de habilidades específicas e transformação no ambiente profissional.

Gabrielly conclui seu estudo destacando que a IA pode ser útil para criar designs eficientes, mas, também, ao delegar a solução de um trabalho de design para a IA, corre-se o risco de gerar trabalhos padronizados e mesmo errôneos. Por se basear em dados e tendências existentes, a IA pode não ser capaz de interpretar um briefing complexo e cheio de subjetividade e gerar soluções verdadeiramente originais e inovadoras. A falta do “toque humano”, a incapacidade de replicar a sensibilidade, emoção e sutileza de um designer humano é uma limitação que precisa ser considerada no uso da IA, pelo menos na IA que temos disponível até o momento. Alerta também para os desafios éticos e de direitos autorais. Precisamos ficar atentos.

O estudo de Vitor Severo também investiga a influência da IA discutindo as possibilidades, limitações e os desafios a serem enfrentados para garantir o uso ético e eficiente dessa tecnologia na área produção multimídia. O trabalho partiu de um estudo bibliográfico e utilizou um questionário com profissionais da área para compreender como a tecnologia vem sendo usada e quais as expectativas em relação ao futuro da profissão.

Vitor buscou referências em publicações de diversos autores para discorrer sobre os principais desafios enfrentados pela disseminação dessa tecnologia na atualidade. O desenvolvimento da IA levanta questões éticas complexas, como a tomada de decisões por robôs. Em síntese, destaca a importância de:
• Facilitar aos usuários compreender e poder questionar as decisões tomadas pelos sistemas de IA.
• Garantir a transparência dos algoritmos e a auditoria contínua.
• Garantir a privacidade e proteção de dados pessoais.
• Evitar o viés algorítmico, ou seja, a reprodução de erros, estereótipos e preconceitos, garantindo a equidade e a imparcialidade com a diversificação dos conjuntos de dados.
• Possibilitar a atribuição de responsabilidade sobre ações de sistemas de IA.
• Estabelecer políticas e regulamentações que promovam o desenvolvimento responsável e ético da IA com a proteção dos direitos dos usuários.

Vitor buscou compreender também a percepção dos profissionais da área sobre o impacto da IA no segmento de atuação de produção multimídia. O questionário foi respondido por 86 profissionais. Desses, 73,3% atuam nas áreas de design, comunicação, audiovisual ou desenvolvimento web.

As respostas sobre como utilizam a IA atualmente mostram um uso amplo pela maioria dos participantes.

Questionados a respeito da influência da IA na sociedade, consideram que será marcante, com 44,7% dando nota máxima para o impacto esperado, e, em particular, na produção multimídia, 55,2% consideram que a transformação será muito impactante.

No entanto, 52,3% consideram que o impacto será positivo, enquanto 44,2% dos entrevistados acreditam que terão tanto impactos positivos, quanto negativos.
Em relação às vantagens do uso da IA, destacaram a agilidade, o aumento da produtividade, a redução de tarefas repetitivas e a diminuição de custos. Também identificaram potenciais desvantagens como a ameaça de desemprego, automação de tarefas criativas, desvalorização do trabalho humano, disseminação de notícias falsas e plágio.

Por fim, no que se refere às transformações na atividade de produção multimídia, Vitor conclui que a IA está impulsionando a demanda por profissionais com habilidades criativas e pensamento estratégico, além daqueles capazes de assumirem funções como curadoria de conteúdo, para filtrar e selecionar informações relevantes, e especialistas em análise de dados, para extrair informações úteis de grandes bancos de dados.
Estar preparado para trabalhar em conjunto com algoritmos de IA pode ser fundamental para se manter atuante na profissão. É importante se manter atualizado, aprender sobre IA, compreender os conceitos básicos, as potencialidades e as limitações, se familiarizar com os tipos de algoritmos de aprendizado de máquina, além de conhecer as aplicações específicas na área de produção multimídia.

Em suas conclusões, Vitor destaca também a importância do engajamento multidisciplinar e da conscientização da sociedade para uma coexistência harmoniosa entre a IA e os seres humanos, com justiça algorítmica, transparência e responsabilização das decisões tomadas por sistemas de IA.

A IA que temos atualmente não se assemelha às capacidades do humano. Was Rahman, cientista autor do livro Inteligência artificial e aprendizado de máquina (2022), considera que estamos longe e que talvez nunca se consiga modelar e recriar artificialmente uma inteligência como a nossa. No entanto, a IA já pode fazer coisas da qual somos incapazes. É humanamente impossível processar uma quantidade tão gigantesca de dados e identificar padrões e diferenças em velocidade tão alta. Podemos tomar decisões mais acertadas com essas informações e usá-las para facilitar os processos de trabalho.
Por enquanto, se não contarmos com nossa inteligência, criatividade e sensibilidade, corremos o risco de ficar repetindo o passado, inclusive com seus erros, estereótipos e preconceitos. Mesmo assim, as discussões sobre os rumos que queremos seguir, e como prevenir os possíveis problemas, são bem-vindas.

REFERÊNCIAS

 

EUROPEAN COMMISSION. (2019). Ethics guidelines for trustworthy AI. Disponível em: https://ec.europa.eu/digital-single-market/en/news/ethics-guidelines-trustworthy-ai.

 

LIPTON, Zachary. The mythos of model interpretability. Queue, 16(3) , 30-57. 2018.

 

BUOLAMWINI, J., GEBRU, T. Gender Shades: Intersectional Accuracy Disparities in Commercial Gender Classification. Proceedings of the 1st Conference on Fairness, Accountability and Transparency, 77-91. 2018.

 

CALISKAN, A., BRYSON, J. J., & NARAYANAN A .  Semantics derived automatically from language corpora contain human-like biases. Science, 356(6334), 183-186. 2017.

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